segunda-feira, 15 de julho de 2013

Em cinco anos, taxa de homicídios de negros cresce 9% enquanto a de brancos cai 13%

Favela Danon, município de Nova Iguaçu, 20 de junho de 2011, Baixada Fluminense. O menino Juan Moraes voltava para casa sem imaginar que aqueles seriam os últimos momentos de sua vida. O que aconteceu no instante em que foi morto é nebuloso e ainda não foi totalmente esclarecido, pois o caso ainda será julgado pelo Tribunal do Júri.

Denúncia do Ministério Público (MP), no entanto, relata que Juan, um menino negro, de 11 anos de idade, foi morto por policiais militares, que faziam uma operação na favela. De acordo com o MP, os policiais atiraram na criança, pensando que ele era um traficante de drogas. Ao perceber que tinham matado um menino desarmado, os policiais tentaram ocultar o crime escondendo o corpo.

O crime, talvez, nunca tivesse a autoria identificada se um irmão de Juan, ferido na ação, não sobrevivesse. Foi ele quem relatou o desaparecimento do irmão e a tentativa dos policiais em sumir com o corpo. Juan foi um dos 35.207 cidadãos negros assassinados no país em 2011, segundo levantamento feito pela Agência Brasil com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde

Cruzando as informações do ministério com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), verifica-se que, em 2011, a taxa de homicídios dessa população foi 35,2 por 100 mil habitantes, taxa 9% acima do que a observada cinco anos antes, quando foram registrados 29.925 casos, ou seja, 32,4 por 100 mil habitantes.

Ao mesmo tempo em que negros ficaram mais vulneráveis à violência nesses cinco anos, a taxa de homicídios da população branca caiu 13%, ao passar de 17,1 por 100 mil habitantes em 2006 (15.753 em número absoluto) para 14,9 por mil em 2011 (13.895 casos).

O dado reflete a grande disparidade racial que existe no Brasil, quando se trata de vítimas de assassinatos. Com o aumento dos homicídios entre a população negra, a probabilidade de um preto ou pardo ser vítima de assassinato no país passou a ser 2,4 vezes maior do que a de um branco. Em 2006, a proporção era 1,9.

Mãe de um jovem negro executado em 2006 por um grupo de extermínio, na Baixada Santista, em São Paulo, Débora Maria da Silva não vê uma melhora na situação no país. O gari Edson Rogério Silva dos Santos foi morto a tiros em maio de 2006, durante uma onda de ataques no estado de São Paulo, quando saía para comprar remédio.

Para a mãe de Edson, os negros são as maiores vítimas, porque moram nas áreas mais pobres da cidade. Segundo ela, o Estado ainda mantém uma postura racista, mesmo 125 anos após a abolição da escravatura no país.

“Temos que acabar com isso. Não vivemos mais no tempo da escravatura, que se tem coronéis, capitães-do-mato e sinhozinhos. Apesar de permanecerem as senzalas, que são as periferias, e os porões dos navios negreiros, que são os presídios”, disse Débora, que lidera um movimento por justiça para os assassinatos de maio de 2006.

Para o coordenador da organização não governamental (ONG) Observatório das Favelas, Jaílson de Souza, o aumento da taxa de homicídios de negros tem relação com a mudança geográfica dos assassinatos no país. Nos últimos anos, enquanto o Sul e o Sudeste têm vivenciado a redução das taxas de homicídios, o Norte e Nordeste têm visto um aumento da violência.

Esses estados, segundo Souza, são os que concentram as maiores populações de pretos e pardos. “Quando essa geografia da morte muda, e há mais violência no Norte e Nordeste, essa mudança acaba por gerar mais morte de negros, sejam pardos ou pretos. Em Alagoas, por exemplo, há um branco para cada 20 negros”, disse.

Dos cinco estados onde o assassinato de negros mais cresceu, quatro são do Nordeste e um no Norte. O Rio Grande do Norte teve um crescimento de 2,7 vezes na taxa de homicídios, ao passar de 16,1 por 100 mil habitantes, em 2006, para 43,6 por 100 mil, em 2011. Na Paraíba, a taxa dobrou, de 30,1 para 60,3 por 100 mil.

Entre os outros estados onde o crescimento foi grande entre 2006 e 2011, estão Alagoas (de 53,9 para 90,5 por 100 mil habitantes), o Amazonas (de 22,3 para 42 por 100 mil) e Ceará (de 17,8 para 29 por 100 mil).

Para Jaílson de Souza, o crescimento econômico do país, sem uma mudança da estrutura social, também contribui para o incremento da violência entre as populações mais vulneráveis. “Nosso desafio é reconhecer que não basta o crescimento econômico, tem que ter uma política que leve em conta o racismo, que é um elemento estrutural da desigualdade brasileira.”

Mais de um terço dos homicídios em 2011 no Brasil vitimou homens negros entre 15 e 29 anos

Homem, negro, com idade entre 15 e 29 anos. Essa é a descrição da principal vítima de homicídios no país, segundo dados obtidos pela Agência Brasil no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Dos 52.198 homicídios ocorridos no Brasil em 2011, 18.387 tiveram como vítimas homens negros entre 15 e 29 anos, ou seja, 35,2% do total.

De acordo com a cientista social Áurea Carolina de Freitas, que integra o Fórum das Juventudes da Grande Belo Horizonte, o fenômeno é consequência de fatores como uma polícia que não respeita os direitos humanos e uma cultura social que não valoriza a vida do jovem negro que mora na periferia das cidades.

“Seria preciso uma mudança radical no sistema judiciário, nessa lógica de encarceramento em massa, de ver a juventude negra sempre como um suspeito, que mesmo calada está errada, da prática de primeiro atirar para depois perguntar o que a pessoa está fazendo. Recebemos muita denúncia de pessoas que primeiro apanham, e só depois a polícia pergunta o que está fazendo naquela hora, naquele lugar”, disse a ativista.

Segundo Felipe Freitas, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) da Presidência da República, a persistência da violência contra a juventude negra resulta tanto do processo histórico no país, em que a população negra foi sendo empurrada para as áreas mais pobres e vulneráveis das cidades, como do racismo que ainda persiste na sociedade.

“Essas populações foram empurradas para as áreas mais vulneráveis das cidades, reduzindo suas oportunidades de inclusão e participação na vida social do país. Isso já é um racismo. Mas, além disso, temos a persistência desse fenômeno, gerando novas desigualdades. O jovem não consegue entrar no espaço público e ser tratado como igual. Ele é mais facilmente capturado pelo sistema prisional. A culpa desse sujeito é mais rapidamente presumida sem o devido processo legal”, declarou.

De acordo com a Seppir, há evidências de que a sociedade brasileira tolera mais a morte de negros do que de brancos. Uma pesquisa feita pela secretaria em parceria com o DataSenado, em 2012, mostrou que, para 55,8% da população, a morte violenta de um jovem negro choca menos a sociedade do que a morte violenta de um jovem branco.

Quando ao racismo institucional, existem casos em que os policiais recebem instruções claras de que negros são suspeitos, como ocorreu com uma ordem de serviço da 2ª Companhia de Polícia Militar de Campinas (SP), que orientava policiais a abordar “especialmente indivíduos de cor parda e negra, com idade entre 18 e 25 anos em grupos de três a cinco indivíduos”.

Quando a notícia circulou pela imprensa, no início deste ano, a Polícia Militar de São Paulo se defendeu dizendo que o objetivo da ordem era atender a um pedido da população local, que reclamava de um grupo de criminosos que atuava na região e tinha, como característica, ser composto por pretos e pardos com idades entre 18 e 25 anos.

Felipe Freitas coordena um plano do governo federal chamado Juventude Viva, lançado no ano passado, com o objetivo de diminuir os assassinatos de jovens negros em 132 municípios prioritários nas 27 unidades da Federação, que, juntos, concentravam 70% dos homicídios de jovens negros em 2010.

O plano pretende articular diversas ações do governo federal, em articulação com estados municípios e sociedade civil, buscando transformar os territórios onde vivem essas pessoas e dar mais oportunidades de inclusão social à juventude negra.

Entre as medidas do plano, estão sensibilizar a opinião pública sobre a violência contra os negros, implantação de equipamentos de cultura e lazer nas comunidades pobres, redução da letalidade policial e combate ao racismo institucional nos órgãos governamentais.

Por enquanto, o plano só foi lançado em quatro municípios de Alagoas, mas Freitas acredita que o Juventude Viva chegará, até o final deste ano, a 61 municípios de seis estados (Paraíba, São Paulo, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Pará e Rio Grande do Sul), além do Distrito Federal.

Ele alerta, no entanto, que os efeitos do plano podem demorar a aparecer nas estatísticas de homicídios. “O funcionamento de um equipamento nas comunidades, como uma praça de esporte, cultura e lazer, por exemplo, tem uma dimensão imediata. A redução da vulnerabilidade já começa a ser sentida. Agora, a redução dos homicídios efetivamente demora mais. Os números de letalidade se revertem com muita lentidão. Não são um movimento rápido”, disse Freitas.

Outra ação da Seppir para reduzir a violência policial contra a população negra é a defesa da aprovação do Projeto de Lei 4.471, que tramita na Câmara dos Deputados. Ele prevê a adoção de mais transparência na investigação dos chamados autos de resistência, ou seja, as mortes em confrontos com a polícia.

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