sábado, 15 de setembro de 2012

Chacina da Chatuba: O “desespero” dos bandidos e a desculpa do governo quando a violência foge do controle

Tenho andado um pouco afastado do meu blog. E a todos que me perguntam sobre isso, respondo que, nos últimos meses, não tenho tido muita paciência para escrever textos longos, e que, às vezes, me sinto uma voz solitária criticando a “mágica e perfeita política de segurança pública” do estado do Rio de Janeiro. Por isso, nesse período, deixei de escrever comentários sobre diversos casos da segurança pública estadual. Mas não podia deixar de escrever sobre a chacina da Chatuba, mais uma das eventuais chacinas que ocorrem na Baixada Fluminense. Na verdade, não vou escrever aqui sobre a Chacina em si, ou sobre a brutalidade dos criminosos que executaram jovens inocentes simplesmente porque cometeram o erro de cruzar a fronteira invisível de seu território ilegal. Ou sobre o fato de que, somente no primeiro semestre deste ano, 730 pessoas foram assassinadas na Baixada Fluminense, ou seja, quatro por dia (ou uma chacina por dia). Nem vou falar sobre os 78 cadáveres encontrados (um a cada dois dias) ou as 787 pessoas desaparecidas (das quais muitas serão encontradas como cadáveres ou ossadas pela polícia ou nem isso). Só essas informações assustadoras já dispensam qualquer avaliação minha. O leitor com o mínimo de instrução vai perceber como ainda estamos a anos-luz de uma solução para a violência do Rio de Janeiro. Ainda que os dados oficiais insistam em dizer que houve 10%, 20%, 25% de redução em tal indicador criminal, podemos ver, com nossos próprios olhos, que estamos longe de um Rio pacificado. Mas gostaria de escrever mesmo sobre o discurso adotado pelo governo fluminense após essa demonstração hedionda de que a violência persiste em terras fluminenses. Como todos puderam ver em jornais, sites da internet e canais de televisão, nosso governador, Sérgio Cabral (que surpreendentemente estava no Rio de Janeiro durante a chacina), disse que a chacina foi um ato “desesperado” dos bandidos diante da política de pacificação do Rio de Janeiro. Hahahahahaha... Espera um pouco. Deixa eu recuperar o fôlego. Hahahahahahahahahaha... ...Só um minuto... ...Tá.... Quer dizer que criminosos terem matado dez pessoas (as seis encontradas inicialmente e mais quatro corpos que estavam sumidos) demonstra que eles estão desesperados com a política de segurança do governo? Espera um pouco. Bandidos vêem jovens andando na favela, resolvem torturá-los e matá-los. Jogam o corpo num lugar qualquer e, no momento seguinte, voltam a vender drogas, lucrar com seu comércio ilegal sem ser perturbados pela polícia, andar armados e continuar colocando o terror na comunidade, como fizeram pelos últimos 30 anos. Me desculpa, governador, mas isso não parece desespero. Parecem criminosos fazendo o que sempre fizeram, conscientes de que o Estado não vai fazer nada para impedi-los. Desespero seria se eles saíssem correndo para outro país, deixando todas as comunidades fluminenses livres da dominação armada ilegal. Vamos então tentar entender o discurso do governador. O que ele quer dizer com “desespero” dos criminosos? Bem, para aqueles que chegaram agora ao planeta Terra e não assistiram à TV Globo nos últimos três anos, o governo fluminense inventou um negócio chamado Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Trata-se de destacamentos policiais que ocupam favelas antes totalmente controladas por criminosos. Durante a ocupação, na maioria das vezes anunciada pelo governador do estado do Rio de Janeiro, excelentíssimo senhor Sérgio Cabral, sem que seja feito um cerco policial prévio à área, os principais líderes criminosos da comunidade e aqueles que têm mandados de prisão expedidos contra si, saem da favela e simplesmente vão, com grande parte de suas armas e drogas, para outra favela. A propósito, existem mais de 1.500 em todo o estado. A partir daí, os policiais são presença constante naquela favela ocupada. Mas a presença física deles não exclui completamente as atividades ilegais nesse território. Criminosos não procurados pela polícia passam a representar o antigo chefe nessas áreas. O comércio ilegal de drogas permanece e o lucro continua sendo remetido para seus antigos donos (seja onde eles estiverem). Nenhuma mudança no status quo até aí, certo? Afinal, a maioria das lideranças criminosas já estavam presas em cadeias mesmo antes das UPP. E seu controle de determinado território era feito através de testas de ferro, certo? Bem, continua sendo assim. E os novos testas de ferro continuam precisando defender seu comércio ilegal nessas comunidades “pacificadas”, por meio de armas. Afinal, ainda existem inimigos potenciais querendo roubar seu lucrativo negócio, clientes dando calote e testemunhas querendo denunciar a atividade à polícia. Dependendo do tamanho do território que esses criminosos precisam defender, independente da presença da UPP, eles podem recorrer a revólveres, pistolas ou até fuzis, como antigamente. E, como estão armados, e seus chefes continuam soltos por aí, em um temporário exílio a poucos quilômetros dali, esses bandidos continuam impondo certo controle sobre os moradores e comerciantes das comunidades “pacificadas”. E, muitas vezes, a polícia pacificadora corrompida facilita o negócio. Até agora, cerca de 140 favelas da cidade do Rio de Janeiro, já passaram por esse processo. Incluindo o famigerado Complexo do Alemão e, de forma ainda incompleta, a Rocinha (que já está ocupada há quase um ano, mas não tem UPP). Ambas favelas continuam dando rios de dinheiro para os criminosos que as controlam. Agora, me diga, você estaria desesperado com uma situação dessa, se você fosse um chefe de quadrilha? Agora, continuemos o raciocínio. Existem outras mais de 1.300 favelas onde você poderia estabelecer residência, a maioria no subúrbio, zona oeste, Baixada Fluminense e Grande Niterói, e continuar coordenando, a distância o comércio em seu antigo feudo. Além do mais, nessas outras mais de 1.300 favelas, o Estado nada fez para interromper os negócios ilícitos e o controle territorial dessas quadrilhas. Ou seja, as quadrilhas que controlam essas áreas não foram presas, continuam acumulando dinheiro, comprando armas, roubando cidadãos nas ruas das cidades e matando pessoas, sem que o Estado faça nada para impedir. Realmente, deve dar um desespero para o bandido, uma situação como essa. Além do mais, Cabral, esse discurso não é novo. Antes de você, governadores como Anthony Garotinho, Benedita da Silva e Rosinha Garotinho já lançaram mão dele. Afinal, é muito cômodo para qualquer governante: se está tudo bem, é porque está dando certo, se a violência explode, é porque os criminosos estão desesperados com a “ação” do Estado.

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