terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Segurança pública no Rio teve 2011 marcado por chacina de Realengo, assassinato de juíza e ocupação da Rocinha

Realengo, 8 horas da manhã, de 7 de abril. Um jovem de 24 anos entra na Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro do subúrbio do Rio de Janeiro. Wellington de Oliveira é um ex-aluno e diz, na portaria, ter sido convidado para uma palestra. Naquele momento, ninguém além do próprio Wellington imaginava o que iria acontecer em seguida.

Pouco depois de entrar na escola, o ex-aluno sacou duas armas e disparou contra estudantes. O resultado foi um massacre, que deixou 12 crianças e adolescentes mortos, além de dezenas de feridos, e só terminou quando um policial, avisado por um dos alunos sobreviventes, interrompeu o tiroteio.

O episódio, que ficou conhecido como Chacina de Realengo, foi apenas um dos casos na área de segurança pública, no Rio de Janeiro, a ganhar destaque da imprensa nacional e internacional, em 2011.

No dia 12 de agosto, o assassinato da juíza criminal Patrícia Acioli, conhecida por sua atuação contra desvios de conduta de policiais militares, também ganharia destaque no noticiário. A juíza, que condenara e levara à prisão diversos policiais no município de São Gonçalo, no Grande Rio, foi morta na porta de casa, quando retornava do trabalho.

A suspeita recaiu sobre um grupo de 11 policiais militares, que estava na mira da juíza, por se envolver com criminosos e forjar autos de resistência, um procedimento administrativo em que a polícia alega que matou um suspeito porque ele resistiu, de forma violenta, à abordagem policial.

Um dos acusados da morte da juíza é um coronel da Polícia Militar (PM), ex-comandante do Batalhão de São Gonçalo, Cláudio Luiz Silva de Oliveira. A prisão do oficial provocou a demissão do comandante-geral da Polícia Militar, Mário Sérgio Duarte, que havia indicado Oliveira para o comando de São Gonçalo.

O assassinato de Patrícia Acioli recolocou em pauta o envolvimento de agentes da lei com a criminalidade no estado do Rio de Janeiro, que, historicamente, viu envolvimento de policiais com grupos de extermínio, máfias de jogos ilegais, traficantes de drogas e milícias.

Milícias que motivaram um deputado estadual fluminense a deixar o país, por alguns dias, em novembro. Dizendo-se preocupado com sua própria segurança, Marcelo Freixo (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, foi para a Europa, depois de receber seguidas ameaças de morte de integrantes desses grupos criminosos.

Freixo, que presidiu uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar as milícias fluminenses, em 2008, é conhecido por sua atuação parlamentar contra esses grupos paramilitares formados por policiais, que controlam comunidades carentes do Rio, por meio da exploração de atividades ilegais e da extorsão a moradores. Apenas em outubro, ele recebeu sete ameaças de morte.

“Com relação às milícias, a política de segurança do Rio foi uma tragédia. As milícias cresceram e continuam sendo fortes. Eles mataram uma juíza, ameaçaram minha vida como parlamentar e hoje dominam mais de 300 áreas. Em 2008, quando fizemos a CPI, eram 170 áreas. Então, é o poder de uma máfia, em expansão, se consolidando”, disse Freixo.

Em fevereiro, a Polícia Federal já havia investigado supostas ligações de 32 policiais civis e militares fluminenses com máfias de jogos ilegais, milícias e traficantes de drogas. A chamada Operação Guilhotina levou à prisão agentes como o delegado Carlos Oliveira, que foi subchefe operacional da Polícia Civil, e provocou a demissão do então chefe da Polícia Civil, Allan Turnowski. Os suspeitos acabaram sendo soltos dois meses depois, por decisão da Justiça.

A Secretaria de Segurança informou, por meio de nota, que colaborou com a Operação Guilhotina e que considera desvio de conduta “algo lamentável que sempre foi combatido e sempre será combatido por essa gestão da Secretaria”. Segundo a nota, essa má conduta é “pertinente a um pequeno grupo de pessoas” dentro das polícias.

Sobre a queda do coronel Mário Sérgio Duarte, a Secretaria elogiou o trabalho feito sob a gestão do ex-comandante da PM, dizendo que ele “teve participação decisiva em vários momentos em que a Polícia Militar precisou tomar decisões bastante importantes, como foi o caso do processo de retomada da região do Alemão”.

“Ele foi um homem honrado que fez uma opção e essa opção o levou a pedir para sair da Polícia Militar. Com isso ele reconheceu que o projeto que se tem hoje na Secretaria de Segurança está acima das pessoas e dos cargos”, informa a nota.

A Secretaria disse também que o processo de enfrentamento das milícias é diferente do enfrentamento ao tráfico, “porque o tráfico já é um crime previsto no código penal, enquanto que milícia não é uma atividade criminal tipificada na legislação brasileira. Portanto, a tecnologia, o processo de investigação e o procedimento de enfrentamento requer tentativas completamente diferentes.”

Por outro lado, 2011 também viu a ocupação de comunidades carentes pela polícia, para a instalação de unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e a consolidação do cinturão de segurança da zona sul, do Centro e da Tijuca. Entre as comunidades ocupadas neste ano, estiveram as favelas do São Carlos, da Mangueira, do Vidigal e da Rocinha.

A prisão de Antônio Bonfim Lopes, o Nem, apontado como chefe da Rocinha, no dia 9 de novembro, e a subsequente ocupação da Rocinha pela polícia, quatro dias depois, foram apontados pelas autoridades públicas e pela imprensa como um marco histórico no combate ao tráfico de drogas no estado.

A ocupação da Rocinha, ocorrida um ano depois da ocupação do Complexo do Alemão, foi televisionada ao vivo e ganhou destaque em redes internacionais como a CNN e a BBC.

“Vejo como altamente positivo o trabalho do secretário de Segurança [José Mariano Beltrame], que tem um compromisso com a redução dos homicídios dolosos, com os autos de resistência. A ocupação de comunidades nesses últimos anos, especialmente em 2010 e 2011, as ocupações do Complexo do Alemão e da Rocinha, são grandes vitórias do estado. Ninguém pode deixar de reconhecer isso”, disse o presidente da organização não governamental (ONG) Rio de Paz, Antônio Carlos Costa.

*Reportagem publicada na Agência Brasil