sábado, 15 de janeiro de 2011

Chega de abuso policial: Somos cidadãos, não somos bandidos

Ontem, durante cobertura ao desastre de Nova Friburgo, policiais militares apontaram uma arma para minha cabeça e me deram voz de prisão. Me acusaram, junto com a equipe da TV Brasil de que estávamos espalhando o boato de que uma barragem havia se rompido na cidade.

A acusação era totalmente absurda, uma vez que, no momento em que o boato se espalhou, eu estava entrevistando o comandante fuzileiro naval no hospital de campanha que eles estavam montando dentro da prefeitura.

Eu fui evacuado da prefeitura pelos próprios fuzileiros navais, que estavam, junto com policiais, orientando a população a buscar locais altos para se salvar da suposta inundação.

A prisão aconteceu minutos depois da descoberta de que tudo não passava de boato, quando eu já tinha voltado para a prefeitura e entrevistara o secretário de Comunicação, justamente para esclarecer o fato.

Eu saía da prefeitura junto com o câmera e o auxiliar da TV Brasil da prefeitura, quando três PMs alucinados apontaram armas para nossas cabeças.

Os momentos foram rápidos, mas minha mente ficou com a imagem marcada do cano de uma pistola prateada apontada para mim, enquanto um policial cheio de ódio gritava para mim.

 VOCÊS ESTÃO PRESOS, PORRA!!! - gritou o “educado” policial.

- Mas o que está acontecen...? - Tentei perguntar.

- CALA A BOCA!!! - gritou mais uma vez o “preparado” agente do Estado, para quem vai parte do IPVA que eu pago. - FICA JUNTO DOS OUTROS (da equipe da TV Brasil, que também fora abordada).

Outros dois policiais berravam para o meu motorista e os dois funcionários da TV Brasil, enquanto, ameaçadoramente, também apontavam armas para eles.

Estava perplexo e tentei, por alguns minutos, entender por que eu, um repórter, trabalhando para informar o cidadão, estava sendo tratado como um bandido perigoso.

Minhas mãos estavam a mostra... Eu claramente estava desarmado. Minhas únicas “armas” eram um gravador de fita cassete e um bloco de anotações.

Tentei perguntar, algumas vezes, o que acontecia, mas os ignorantes agentes da “lei” me apontavam a arma e me mandavam calar a boca. Disse que era apenas um jornalista da Empresa Brasil de Comunicação. Mas não adiantou.

Um câmera da TV Globo se aproximou e um policial gritou:

- SE VOCÊ GRAVAR ESSA MERDA, EU QUEBRO ESSA PORRA!!!

Só quando uma suposta testemunha do “crime” foi tirada da viatura foi que comecei a entender o que se passava. O PM berrou (como sempre) para testemunha:

 QUEM ESTAVA EM CIMA DO CAMINHÃO ESPALHANDO O BOATO?

A testemunha, um cidadão qualquer, pego no meio da rua, apontou para o auxiliar da TV Brasil... e disse:

 Foi ele...

Naquele momento, o PM liberou a mim e a meu motorista e, na concepção dele, o caso estava esclarecido...

Por mais absurdo que possa parecer, o PM acreditou que a TV Brasil, que estava na rua em frente a prefeitura, tinha começado o boato, com base na simples afirmação qualquer de uma testemunha.

Os PMs então quiseram prender os dois funcionários da TV Brasil. Por mais que os funcionários da TV Brasil dissessem que o boato já estava sendo espalhado pelos fuzileiros e outros policiais, antes deles, isso nada adiantou. A TV Brasil, assim como os fuzileiros e outros policiais, apenas tentou ajudar a população a procurar um local seguro, sem saber que tudo não passava de boato.

Na verdade, o boato tinha começado a quilômetros dali e havia se espalhado como uma onda. Mas, para a investigação “perfeita e complexa” dos três transtornados PMs, o caso estava esclarecido e os culpados tinham sido encontrados.

Quando fui abordado com uma pistola na cabeça, como se fosse um Fernandinho Beira-Mar, de início imaginei que se tratava uma pegadinha do Mallandro, de tão grotesca que foi a cena e de tão deplorável foi a atuação daqueles agentes a quem a sociedade deu o poder de usar uma arma.

Mas, como Serginho Mallandro não apareceu fazendo Ié-Ié e nem glu-glu, tive a triste constatação de que aquilo era real. Aqueles homens a quem damos o poder de VIDA e MORTE estavam protagonizando mesmo uma cena inacreditável...

Fiquei até o fim da ocorrência no local, porque tinha certeza de que os funcionarios da co-irmã TV Brasil eram inocentes.

Em seguida , chegou um oficial, com patente superior a daqueles palhaços de farda e, sensatamente, liberou todo mundo. Aquilo era um circo doentio.

Depois de tudo resolvido, comentei com meu motorista. Cara, isso aconteceu a luz do dia, em frente a dezenas de fuzileiros navais. Se quase deram um tiro na nossa cara nessa situação, imagina o que fazem com um cidadão humilde retornando a sua casa numa favela de madrugada.

Mais tarde, coincidentemente encontrei o comandante geral da PM, na praça central de Nova Friburgo.

Imaginei que fosse uma chance de relatar aquele papelão cometido por seus subordinados mais cedo. Não esperava que ele punisse os subordinados, até porque nem anotei o nome dos babacas. Queria apenas que ele soubesse da ocorrência e que isso servisse de alerta.

Tudo que ouvi do coronel Mario Sergio foi um “aceite minhas desculpas, em nome da corporação”.

O comandante prosseguiu então:

- Mas entenda os meus homens, eles estão sob estresse...

Pensei comigo: Mas quem quer suas desculpas, comandante? Nao estou pedindo isso...

Falei então para o comandante: Mas coronel, essa abordagem dos policiais está errada. Em outra situação, isso poderia ter acabado mal, com mortes.

Falei isso para o comandante para que ele se comunicasse com o comando do Batalhão de Nova Friburgo e esse tipo de abordagem fosse corrigido.

Não queria desculpas quaisquer, apesar da humilhação, risco de ser ferido e perda de tempo que isso me causou, em meio a uma cobertura jornalística já desgastante.

Queria apenas pedir que esses PMs mudassem sua atitude incorreta e arriscada, que coloca qualquer cidadão como culpado, subvertendo a Constituição.

Mas o coronel apenas pediu desculpas e me pediu compreensão, porque, afinal, seus homens estavam estressadinhos...

Pensei: ESTRESSE e ARMA NA MÃO são ingredientes para que tudo dê errado... Mas desisti, o comandante entraria ao vivo com a Record e não queria tomar mais seu tempo.

Depois fiquei refletindo: os PMs tinham cometido uma série de erros:

1) Apontaram uma arma para nossas cabeças, sem que oferecêssemos qualquer risco a integridade deles.

2) Tiveram uma atitude inconstitucional, ao tratar os suspeitos como culpados e não como presumidos inocentes.

3) Agrediram os suspeitos verbalmente e, com a arma apontada para eles, indiretamente os ameaçou de morte.

4) Nao quiseram informar porque estávamos sendo presos e, quando perguntávamos, nos mandava calar a boca.

5) Infringiram o artigo 331 do Código Penal, por desacatar funcionários públicos no exercício de sua função. Afinal, nos identificamos como sendo funcionários da EBC, órgão da Presidência da República, e dissemos que estávamos trabalhando. Em resposta, eles apenas nos mandaram calar a boca e gritaram para a gente BAIXAR A BOLA.

Quando me questionam porque eu critico a polícia sempre quando ela atira para matar suspeitos ou quando ela agride tais pessoas, o que acabei de escrever é parte da resposta.

Não podemos dar carta branca a servidores cujo instrumento de trabalho é uma arma de fogo. Ao partir do pressuposto que qualquer pessoa é um bandido e com a autorização para matar tais suspeitos, dada pela sociedade, todos os cidadãos tornam-se potenciais vítimas disso.

Penso que é extremamente necessário que existam freios para a ação da polícia.

4 comentários:

  1. Apenas comprova o que boa parte da população já teve a infelicidade de descobrir: temos mais medo da polícia do que dos bandidos. Sinceramente? Tenho nojo da polícia brasileira.

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  2. eu acho que esses policias que se envolvem em qualquer tipo de abuso, crimes deveriam ser colocados juntos aos presos comuns..

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