domingo, 13 de junho de 2010

Política de enfrentamento no Rio: a mania da polícia fluminense em resolver problemas através do gatilho

Enquanto a bola rola na África do Sul, o tiro rola no Rio de Janeiro. A polícia fluminense é reconhecida por recorrer à violência como instrumento primeiro de sua ação. Não são raros os casos de espancamentos, execuções e torturas envolvendo policiais. Mas sobre o que gostaria de refletir especificamente hoje é o grande número de tiroteios envolvendo agentes da lei.

A polícia do Rio adora uma operação policial (quando mais espetacular melhor), com tiros, fogos, helicópteros e toda a parafernália bélica. Policiais também adoram trocar tiros com bandidos no meio da rua.

Onde ficam os cidadãos enquanto a polícia se diverte apertando seu gatilho no meio da rua? Bom... Isso não parece ser um problema para a polícia. Quando começa um tiroteio, os policiais esperam que o cidadão se vire, que ele dê seu jeito para não ser atingido.

Em meio à chuva de balas que voa sobre as cabeças dos cidadãos cariocas diariamente, não são incomuns casos de balas perdidas (isto é, aquelas balas que resolvem sair do cano da arma do bandido ou do policial e encontrar a cabeça, o coração, a barriga ou qualquer outra parte do corpo de um cidadão inocente).

Na última sexta-feira (11/6) não foi diferente. No Complexo da Maré, um trabalhador e um estudante morreram no confronto. Outras quatro pessoas ficaram feridas, entre elas uma criança de cinco anos de idade.

Em geral, quando pessoas inocentes são atingidas em tiroteios envolvendo policiais, as discussões giram em torno de quem atirou nas vítimas. Moradores costumam dizer que foram os policiais. Os policiais costumam dizer que foram os bandidos que atiraram. Como se fosse possível, em meio a um pandemônio, se afirmar quem atirou em quem.

Na verdade, para mim, saber quem atirou pouco importa (só importa para a polícia e a Justiça, que vão investigar e julgar os casos, o que, convenhamos, raramente acontece).

Para mim, o mais importante é entender que a polícia (e as autoridades públicas) vêm fomentando confrontos armados no Rio de Janeiro há anos. Se os policiais vêem um roubo, eles atiram para impedir a ação. Se eles perseguem um carro suspeito que não quer parar, eles atiram na direção do veículo. Se eles entram na favela e ouvem tiros, já atiram em direção ao possível foco do tiro, sem importar se há pessoas no caminho ou se o suspeito está a centenas de metros de distância.

Enfim, se os policiais recebem um tiro, é quase uma questão de honra atirar de volta, mesmo que isso não vá resolver nada. O tiro policial acaba funcionando como uma demonstração de poder para o suposto “exército paralelo”. Na mentalidade policial, se você não atirar de volta, você demonstra fraqueza perante o “inimigo”. Na mente dos policiais, se você não atirar, você estará convidando o bandido a atirar impunemente toda vez que vir um policial.

Mas o policial jamais para pra de refletir sobre as consequências daquele tiro que está sendo disparado no bandido. Recorrendo a um pensamento simples, um tiro de volta disparado pela polícia significa, no mínimo, um tiro a mais voando sobre a cabeça dos cidadãos cariocas.

Se os bandidos disparam cinco balas sobre a polícia, há cinco chances de uma bala atingir um inocente no meio da rua. Se a polícia devolve os cinco tiros na direção dos bandidos, as chances de se atingir um inocente sobem para dez.

Essa é apenas a consequência mais direta e visível da política de enfrentamento adotada pela polícia do Rio (e fomentada por autoridades governamentais) há anos.

Mas há outras possíveis consequências desses tiros. Uma delas é que se torna banal, na mentalidade do policial, atirar no meio da rua. Atirar impunemente em um ambiente lotado de cidadãos se torna uma ação corriqueira no dia-a-dia policial. Quanto mais se atira, mais normal isso se torna.

Tiros disparados por policiais não são investigados. Policiais que disparam no meio da rua não são cobrados, questionados ou investigados.

Há ainda consequências não tão óbvias. Policiais dizem que atiram muito porque bandidos atiram muito. Eles apenas respondem ao fogo inimigo.

Mas alguém já parou para pensar por que bandidos disparam suas armas? A não ser no caso de homicídios intencionais, em geral, bandidos disparam suas armas quando se sentem ameaçados e desejam se defender (seja passivamente seja ativamente).

Alguém já parou para pensar por que bandidos disparam tanto suas armas no Rio de Janeiro? Alguém já parou para pensar por que bandidos se armam tão pesadamente? Será que um histórico de violência por parte da polícia não contribui para essa situação?

Afinal, se eu sei que policiais vão atirar em mim, por que não atirar neles primeiro? Se eu serei alvejado quando tento fugir, por que não atirar? Se eu me entregar posso ser executado, então por que não atirar? E por aí vai...

É o que podem pensar os bandidos. Por isso, os policiais precisam refletir. Sua atitude violenta pode ser um bumerangue que volta contra eles próprios (e contra os cidadãos). Enfim, quanto mais violentos os policiais, mais violentos se tornam os bandidos (e isso piora a cada geração).

Escrevo isso apenas como um apelo para que os confrontos armados sejam reduzidos no Rio de Janeiro. Infelizmente, não temos qualquer controle sobre a atitude dos bandidos. Não podemos pedir que eles parem de atirar ou que eles atirem menos.

Por isso, meu recado é direcionado à polícia. Por ser um agente do Estado, a polícia é o elo da cadeia sobre o qual a sociedade ainda pode ter algum controle. Se não podemos reduzir o número de balas disparadas pelos bandidos, podemos, pelo menos, reduzir os tiros disparados pela polícia.

Acho que todos concordam que, quanto menos balas zunirem sobre nossas cabeças, melhor. Cabe aos policiais atirarem menos, às autoridades exigirem menos tiros, aos órgãos de fiscalização e de investigação apurarem as ocorrências de tiros disparados pela polícia e à sociedade se indignar com cada vítima inocente atingida no faroeste carioca.

Se a polícia atirasse menos (ou tivesse mais critério para atirar) a vida de milhares de pessoas teriam sido poupadas: a refém do ônibus 174, o menino João Roberto da Tijuca, o homem da furadeira do Morro do Andaraí, só para citar alguns casos...

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